sábado, 12 de setembro de 2009

CORPOS DE PASSAGEM




Que os acidentes de trânsito representam um problema sério para os países de todo o mundo, isso já se sabe. Do ponto de vista técnico, também se tem ciência das suas principais causas imediatas e diretas, assim como as medidas necessárias para conter o problema. No entanto, por mais que se faça, os números continuam lá desafiando a nossa capacidade de propor soluções definitivas. Aqui vai uma contribuição analítica um pouco diferente: e se os encontros no espaço urbano ficaram tão empobrecidos a ponto de, apenas, nas colisões, se tornar viável. E se as colisões forem um sintoma da angústia humana na busca pelo outro. Aos que assistiram o filme Crash: No limite, esse pode ser um argumento factível. A diversidade social chegou a tal ponto que a sociedade contemporânea não conseguiu ainda incorporar o convívio com a diferença como prerrogativa para as soluções dos conflitos cotidianos decorrentes desses encontros (às vezes, não muito agradáveis). E aí o medo do outro se ergue como justificativa para todas as providências do isolamento nas casas, nos carros, nas ruas. Os absolutamente sós, vagando pela cidade, com seus corpos anestesiados pelo consumo, pelo mercado, pelo direito privado à existência, não se dão conta, na maioria das vezes, que não há saída possível se não há um reconhecimento subjetivo desses outros tão distintos de mim e com a mesma legitimidade de ocupar os muitos lugares. E aí vem o trânsito e as pessoas vestidas de automóveis. Novíssimos. Grandes. Reluzentes. Espaçosos. Outros tantos, sem os mesmos privilégios da sociedade motorizada, acotovelam-se nos ônibus lotados, na impaciência dos motoristas, no calor dos outros corpos também condicionados ao espaço que lhes cabe, ou pelas calçadas sempre atravessadas por mais automóveis porque alguém precisa ir “rapidinho” resolver um problema. É, parece então que resta o encontro forçado e intolerante nos semáforos, nas esquinas, nos recantos da cidade, demarcando lugares dos passantes e obrigando-os, indocilmente, ao contato

Gislene Macedo

13/03/2006



Foto: R G Lopes, Florianópolis, jul/09

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